terça-feira, 16 de julho de 2013

CRÔNICA DE PADRE ANTONIO VIEIRA

FUTEBOL
 

No Brasil, só há três cousas que se levam realmente a sério: carnaval, jogo do bicho e futebol. Tudo o mais cai na rotina e passa pra o rol das cousas sem importância e sem atração. A própria política empolga apenas a poucos e ainda assim sofre os seus altos e baixos.
Carnaval, porém, tem as cores nacionais. Enche o Brasil inteiro e se perlonga além-mar. Lá fora somos conhecidos como o País do Carnaval. Carnaval aqui é turismo. É atração. É glória nacional. Embora tenha a duração de três dias, seu clima domina os 365 dias do ano.
Jogo do bicho cria fascínios populares porque a um povo em desespero, sem líderes e sem mitos, a ilusão da sorte é o único apanágio que lhe galvaniza a alma e lhe entusiasma o coração.
Futebol empolga o País, desde os arranha-céus de Copacabana até às palhoças do alto sertão, desde o Presidente da República ao molecote de fundilhos rasgados que chuta bolas de pano nas pontas de rua.
Enquanto o progresso, o destino e acultura de outros povos e de outros países se decidem pelo cérebro dos seus homens, que estudam, que pensam, que se especializam, que fazem da técnica ou das investigações científicas seu ideal supremo, nós vamos escrevendo o nosso futuro, a nossa sorte, com os pés. Pés de jogadores! Pés de dançarinos!
Chegará um dia, e este não custará muito, que, quando os nossos professores falarem sobre as figuras históricas de Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Rio Branco que defenderam a nossa pátria nos altos prélios internacionais, nossos alunos se levantarão entusiasmados para perguntar: – professor, em que time eles jogaram?
Pergunte-se a qualquer aluno das nossas escolas primárias as capitais dos Estados do Brasil. Pergunte-se as capitais dos Estados do Brasil. Pergunte-se aos alunos das nossas escolas secundárias quais foram as capitanias donatárias do Brasil. E eles não saberão responder. Indague-se porém a que time pertencem ou pertenceram Ademir, Pavão, Índio, Baltazar, Escurinho, Pelé, Garrincha, Castilho e a resposta, talvez, saia primeiro do que a pergunta.
Vasculhe-se a carteira de um estudante e nos seus cadernos não se encontrará nenhum apontamento escolar, nenhuma redação literária ou problema para resolver, mas todos os seus cadernos trazem colado o retrato dos craques de futebol ou revistas especializadas em esporte.
O mal é universal. Basta reparar para sentir como se trata de uma paranóia coletiva ou  nacional. Há mais interesse por uma partida de futebol do que pelos contratos comerciais do País no estrangeiro. Liga-se mais importância à escolha de uma seleção de futebol que à eleição dos homens que hão de nos governar. Até nas repartições públicas se faculta o ponto quando há um jogo importante. E nenhum funcionário público comparece à sua repartição quando o seu time vai jogar uma partida decisiva.
Nenhum funcionário público, nenhum catedrático de nossas universidades, nem mesmo o presidente da República ganha tanto como um profissional de futebol. São tratados como crianças mimadas. Vivem cercados de médicos, ortopedistas, dentistas, enfermeiros, massagistas, nutricionistas, especialistas em todos os eteceteras. Se lhes acontece alguma cousa, um pequeno acidente, se lhes cai uma unha do pé, o mundo inteiro sabe e acompanha nervoso os dramas do jogador e a luta insana da medicina para salvar aquela important~issima peça da mais importante parte do organismo de um jogador, a pessoa mais importante daquele país. Possuem casas, cadilaques, geladeiras, televisão, o diabo a catorze. Recebem milhões para assinar um contrato, gratificações assombrosas por cada jogo, pingues ordenados e mais vantagens fabulosas.
Diante desses homens que apenas possuem um bom par de pernas, que não estudaram, que não levam consigo nenhum mérito do esforço e do trabalho, as multidões deliram como se estivessem diante de deuses descidos do Olimpo.
Não sou inimigo do futebol. Até gosto de assistir a umas peladas. Mas sou contra os exageros, a deificação dos jogadores, a inversão de valores, a transformação d eum esporte em causa nacional mais importante do que os mais importantes problemas do país.

Mas isso é o Brasil! Razões de sobra tinha vigário do sertão, apoquentado com a garotada que jogava futebol nas calçadas da sua igreja, a exclamar indignado: – Este país não pode ir pra frente, pois, só se dá valor, hoje em dia, a futebol, à futilidade e ao fute.
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Do livro "Sertão Brabo", de autoria do escritor cearense Padre Antônio Vieira.

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